O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA ATINENTE A TODOS AQUELES QUE PARTICIPAM DO PROCESSO

Houve um tempo, muito remoto, é verdade, em que as partes litigantes declaravam formalmente que não estavam agindo de má-fé em juízo, ou seja, que o seu pleito era verdadeiro. Havia um termo para isso: Calumniae jusjurandum.

Calumniae jusjurandum tem origem latina e surgiu no direito romano. Refere-se ao juramento feito pelos litigantes, no qual eles registravam que não estavam agindo de forma maliciosa ou desonesta. Em resumo, era uma promessa ao Tribunal de que a parte estava agindo de boa-fé.

Essa declaração formal deixou de existir, até porque o dever da parte de agir de boa-fé em juízo é obrigatória, independentemente da assinatura de qualquer documento. A nossa legislação atual prevê sanções, inclusive com pena pecuniária para a parte que carece de fundamento em juízo.

O art. 77 do CPC/2015 elenca como deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (a) expor os fatos em juízo conforme a verdade; (b) não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento (c) não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; (d) cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; (e) declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva, e a (f) não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.

Assim, tem-se que os deveres de lealdade e boa-fé não se consubstanciam numa simples imposição de ordem moral, mas na exigência coercível e sancionável de a parte manter a sua conduta durante o processo, tendo conhecimento dos deveres e das vedações impostas pela lei.

Seguindo esse raciocínio, tem-se que a boa-fé objetiva processual é também direcionada ao juízo. O dever de prestar jurisdição está relacionado ao dever de lealdade no vínculo estabelecido entre o juízo e as partes.

É certo afirmar, diante desses preceitos, que os deveres de lealdade e boa-fé atinentes ao juízo se traduzem em um dever de coerência nas decisões judiciais.

Do Poder Judiciário se espera o cumprimento do princípio da segurança jurídica, gerando confiança ao jurisdicionado, no contexto de uma mínima estabilidade, enquanto instituição dotada de agentes púbicos.

Não se pode olvidar é que não basta a decisão judicial estar fundamentada, o dever do magistrado está também em prestar manifestação adequadamente fundamentada, com exposição das razões atinentes à determinação dos fatos da causa, e, assim, a manutenção da coerência dos julgados.

O princípio da segurança jurídica não se confronta com o princípio do livre convencimento motivado, este último utilizado algumas vezes para justificar a possível ausência de coerência ou previsibilidade das decisões.

O art. 371 do CPC/2015 prevê que o juiz tem liberdade para apreciar e avaliar as provas produzidas nos autos e, a partir daí, formar livremente seu convencimento, desde que fundamentado nesses elementos.

Porém, a aplicação desse princípio impõe o preenchimento de alguns requisitos, como o livre convencimento racional, ou seja, uma análise técnica da prova, por exemplo; a devida fundamentação, já defendida acima, sendo o julgador obrigado a explicar o porquê da valoração da prova da forma como interpretada; e, ainda, a restrição às provas constantes dos autos, não sendo permitido ao juiz analisar circunstâncias e elementos externos, o que seria verdadeira ofensa ao princípio da segurança jurídica.

Em suma, o que não se pode aceitar são as decisões-surpresa, aquelas que surpreendem ou porque trazem temas não discutidos nos autos, violando a boa-fé objetiva obrigatória à todas as partes relacionadas ao processo, ou porque, sem nenhuma justificativa, modifica decisão anterior do juiz ou do juízo, ou ainda entendimento jurisprudencial pacificado.

No Direito contemporâneo não deve haver lugar para a imprevisibilidade das decisões judiciais, cujos exemplos ainda são expressivos atualmente. Essas situações se tornam ainda mais disruptivas à evolução do Estado Democrático de Direito.

A segurança jurídica é garantia constitucional e o direito deve prestigiar a previsibilidade e a estabilidade normativa e decisória.

Não há como fingir que não há uma crise em nosso Judiciário, diante do considerável número de decisões contraditórias no país, que acabam por violar legítimas expectativas das partes, desestabilizando todo o sistema, e tornando o princípio da segurança jurídica irrelevante e desprezível.

O presente artigo não pretende apontar erros ou trazer soluções a um problema atualmente tão frequente, porém tem o objetivo de chamar atenção para o fato de que o juízo é parte envolvida no processo e tem o poder-dever de prestigiar a estabilidade e a harmonia das decisões judiciais.

Roga-se, diante da atual conjuntura, que parta também dos juízos de origem essa retomada da prestação jurisdicional coerente, exercendo a busca real pela solução dos conflitos, pautados sempre na convicção motivada e, principalmente, na devida e adequada fundamentação das decisões, entregando a segurança jurídica que os jurisdicionados merecem.

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