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A sociedade limitada na nova IN 81/20 do DREI

em 28 julho 2020 | Lucas Vale | Igor Dantas | Rodrigo Gilberto Blog | Artigos

O cenário jurídico e político atual revela uma constante necessidade de facilitação do relacionamento entre o setor público e privado. Foi nesse contexto que veio, em boa hora, a IN 81/20, do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI). 

1. A tendência de simplificação e desburocratização do relacionamento entre o setor público e o privado.

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) contém inúmeras previsões que, direta ou indiretamente, enaltecem o livre exercício da atividade econômica pelo particular. É o que se infere, v.g., do seus arts. 1º, IV, 5º, XIII, e 170, caput e p.u.

Por sua vez, convém recordar que, nas palavras de Eros Roberto Grau1, "Uma das faces da livre iniciativa se expõe como liberdade econômica, ou liberdade de iniciativa econômica, cujo titular é a empresa".

Ocorre que, a despeito do caráter claramente liberal conferido pela CF/88 à ordem econômica, o que acabou se constatando, na prática, desde a sua promulgação, foi a criação de um cipoal jurídico-burocrático em prejuízo da autonomia privada e da liberdade contratual nos negócios jurídicos empresariais.

Nos últimos 4 (quatro) anos, todavia, a ascensão de líderes mais alinhados a uma política econômica liberal inaugurou uma verdadeira tendência de desburocratização do exercício da atividade econômica no país, o que incluiu, consoante melhor analisado adiante, os procedimentos de registro empresarial.

É certo que o mundo mudou, que novas tecnologias surgiram e que os processos e as relações negociais são desenvolvidos de maneira muito mais célere. Formalidades e disciplinas que antes faziam sentido, tornaram-se absolutamente esvaziadas.

Foi justamente nesse cenário de simplificação e desburocratização que veio à tona a Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, também conhecida como Lei da Liberdade Econômica.

O diploma instituiu uma série de modificações no cenário jurídico nacional com o objetivo de promover maior proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica. A própria acepção trazida pelo seu art. 1º consagra o regramento como uma "declaração de direitos de liberdade econômica". 

Outra relevante medida nesta mesma linha foi trazida pelo Decreto nº 10.139 – conhecido como "Revisaço" –, de 29 de novembro de 2019, que dispôs sobre a revisão e consolidação de atos normativos com o objetivo, justamente, de racionalizar a atividade regulatória por parte do Poder Público.

Não menos importante é o regramento advindo da Lei nº 13.726, de 08 de outubro de 2018, que, através do seu art. 1º, disciplinou, no âmbito dos procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios a "supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas".

Seguindo a tendência da modernização, desburocratização, redução e concentração dos atos normativos impostos pelo Estado aos particulares, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI)2 editou a Instrução Normativa nº 81 (IN 81/2020), publicada em 15.06.2020 no Diário Oficial da União. 

Trata-se, em última análise, da concretização "no final da ponta", isto é, em benefício efetivo do usuário, das diretrizes de modernização e desburocratização introduzidas pela Lei nº 13.726/2018, pelo Decreto nº 10.139/2019 e, em maior grau, pela Lei da Liberdade Econômica.

Algumas inovações trazidas pela IN 81/2020 merecem especial destaque pelo impacto que provocarão na rotina das empresas, sobretudo nas de responsabilidade limitada, já que correspondem ao tipo societário mais difundido no país e tem como uma de suas características essenciais a contratualidade.

2.1. Registro dos Atos Societários Independentemente de Autorização Prévia 

Trata-se de medida inaugurada pela Lei da Liberdade Econômica, especificamente por meio da supressão do inciso VIII3 e da alteração do parágrafo único4 do art. 35 da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, que "dispõe sobre o registro público de empresas mercantis e atividades afins e dá outras providências". 

Com as modificações em apreço, passou-se a não ser mais exigida5, para fins de registro dos atos societários, a prévia autorização dos órgãos governamentais, que, quando necessário, serão comunicados pelas Juntas Comerciais a posteriori. 

No âmbito da IN 81/2020, este novel e salutar regramento foi positivado no §2º do art. 9º.

2.2. Admissão, para as Sociedades Limitadas, de Quotas Preferenciais sem Direito de Voto

Se é possível falar em alguma unanimidade em relação à IN 81/2020, certamente será de que a admissão, no âmbito das sociedades limitadas, de quotas preferenciais que suprimam ou limitem o direito de voto do seu titular corresponde ao ponto objeto de maior polêmica entre os estudiosos da área. 

De antemão, cumpre recordar que as quotas sociais preferenciais – como, por exemplo, as que atribuem ao seu titular direito diverso à distribuição de dividendos – já havia sido contemplada por norma do próprio DREI desde 2007, muito embora sem qualquer referência à possibilidade de limitação ao direito de voto, o que, na prática, fazia com que as Juntas Comercias se negassem a aceitar tal previsão contratual.

As diretrizes trazidas pela Lei da Liberdade Econômica, contudo, reforçaram o entendimento daqueles que sempre se posicionaram no sentido desta permissão, sobretudo considerando as garantias previstas no seu art. 3º, V e VIII e art. 4º, VII.

Isto porque, diante da característica contratualidade das sociedades limitadas, o obstáculo para o estabelecimento, entre os sócios, de quotas preferenciais sem direito de voto não encontra fundamento em um contexto normativo que privilegia, nos negócios jurídicos empresariais, a autonomia privada e a liberdade contratual, salvo expressa vedação legal ou impedimento de ordem pública, o que não parecer ser, com a devida vênia, o caso em discussão.

Nesse sentido, como remete a própria Instrução Normativa6, o Código Civil sempre dispôs, no parágrafo único de seu art. 1.053, da previsão de regência supletiva das Sociedades Limitadas pelas normas regentes das Sociedades por Ações (conforme a Lei 6.404/1976).

Diante desta previsão legal, aliás, aparentam-se apressados os argumentos críticos de que a previsão normativa do DREI haveria extrapolado o espaço de regulamentação legal, e entraria em colisão com as disposições do Código Civil que apontam pretensa inafastabilidade do direito de voto vinculado ao capital social. 

A mera adoção, em norma padronizadora para evitar indeferimentos de registro, de entendimento alinhado com a previsão do art. 1.053 do Código Civil, afinal, não retira validade de qualquer outro dispositivo do referido códex – que sempre poderá ser invocado pelos que entendam existente previsão contratual abusiva –, mas apenas procura se alinhar com os já citados princípios que emanam da Lei da Liberdade Econômica, que insculpiu no ordenamento jurídico a ruptura com a cultura da extremada tutela legal e jurisdicional do conteúdo das disposições contratuais privadas, privilegiando o conteúdo das opções firmadas nos contratos sociais.

Fixadas tais premissas, o DREI andou bem ao incluir na IN 81/2020, expressamente, a admissão de "quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou limitado o direito de voto pelo sócio titular da quota preferencial respectiva (...)". (grifou-se). 

A autorização expressa trouxe segurança para os empreendedores, de modo que permitiu a concretização de arranjos societários complexos e modernos, atendendo ao anseio que já ecoava na livre iniciativa. 

2.3. Do Nome Empresarial

Solucionando antinomia existente entre o conteúdo do art. 1.158, §2º, do Código Civil e a previsão do art. 35, inciso III, da Lei nº 8.934/1994, a IN 81/2020 sedimentou o entendimento de que a indicação do objeto da sociedade no nome empresarial é facultativa, considerando o critério da lei especial e, no final das contas, o privilégio à simplificação dos atos registrais.

2.4. Atos Meramente Cadastrais e da Dispensa de Reconhecimento de Firma

A previsão constante no art. 10 da IN 81/2020 facilitou as modificações de registros de atos meramente cadastrais, como informações pessoais dos empresários e enquadramento como microempresa, empresa de pequeno porte ou MEI. Antes, era indispensável a alteração prévia no instrumento social da empresa, o que gerava inexplicáveis custos aos empresários. 

Agora, tais modificações ocorrerão por procedimento administrativo simples e célere, com apresentação dos atos, documentos ou declarações que contenha a informação. 

Por sua vez, uma alteração meramente administrativa, mas que exigia o dispêndio de energia pelas sociedades de responsabilidade limitada, consiste na dispensa de reconhecimento de firma e de autenticação de documentos apresentados à 

Junta Comercial quando o servidor suprir tais formalidades ou quando o advogado, contador ou técnico em contabilidade apresentarem declaração atestando a autenticidade dos documentos. 

2.5. Da Transformação de Cooperativas e Associações em Sociedades Empresárias

Outra questão interessante pertine à expressa disciplina autorizativa de transformação de cooperativas e associações em sociedades empresárias (art. 65 da IN 81/2020), inclusive da forma limitada. Tal questão já era consagrada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja disposição advinha do art. 2.033 do Código Civil. No entanto, a despeito dessa realidade, a transformação vinha sendo alvo de resistência por parte de algumas Juntas Comerciais.

A estipulação do regramento foi de grande valia para as cooperativas e associações, tendo em vista que facilitou o processo de conversão e, consequentemente, o uso de institutos próprios das sociedades empresárias, como, por exemplo, as recuperações judiciais. 

2.6. Convocação de Assembleias Gerais e Reuniões

De acordo com o art. 1.152, §1º e §3º, do Código Civil, a convocação das assembleias e reuniões devem ocorrer mediante publicação do anúncio, pelo mínimo de três vezes, em jornal de grande circulação e na imprensa oficial da União ou Estado. 

Algumas vozes defendiam que o regramento impunha a publicação três vezes na imprensa oficial e mais três vezes em jornal de grande circulação, o que representava seis publicações e um custo elevadíssimo para a sociedade. No entanto, a IN nº 81/2020 foi clara ao estipular que "São necessárias apenas três publicações (e não seis), desde que veiculadas em órgão oficial e em jornal de grande circulação, sendo necessária pelo menos uma publicação em cada um deles."

2.7. Da Possibilidade de Cessão de Quotas por Instrumento Particular

Uma outra questão que merece ser abordada consiste na previsão da possibilidade de cessão de quotas por instrumento particular, sem que haja necessidade de alteração do instrumento contratual. Tal simplificação adveio do entendimento firmado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, por intermédio do Enunciado 225.

2.8. Da Possibilidade de Prorrogação da Data de Integralização do Capital Social e da Dispensa de Reconhecimento de Firma

A IN 81/20 ainda autorizou a prorrogação da data para integralização do capital social, quando este for estipulada para momento futuro. 

No caso de a integralização do capital social não ocorrer na data previamente demarcada, a sociedade poderá, mediante alteração contratual, prorrogar a data para a devida integralização ou, se for o caso, realizar a redução do capital social, de acordo com o art. 1.084 do CC.

3. Conclusão

Sem qualquer pretensão, por óbvio, de esgotar o assunto em pauta, o presente trabalho teve como breve objetivo contextualizar e apresentar, principalmente à luz das sociedades limitadas, algumas das principais novidades trazidas pela IN 81/2020 editada pelo DREI, inegavelmente alinhadas a uma tendência político-econômica liberal e de privilégio à livre iniciativa, à autonomia privada e à liberdade contratual. Percebe-se que as modificações acima destacadas, assim como tantas outras constantes na IN nº 81/2020, advieram com o escopo de desburocratizar e desengessar os trâmites procedimentais do registro empresarial.

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1 Mendes, Gilmar Ferreira; Streck, Lenio Luiz; Sarlet, Ingo Wolfgang; Leoncy, Léo Ferreira; Canotilho, J. J. Gomes. Comentários À Constituição do Brasil - Série Idp. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. 

2 O DREI é um órgão integrante do Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis, disciplinado pela lei nº 8.934/94, vinculado ao Ministério da Economia, que tem como uma de suas finalidades: "estabelecer e consolidar, com exclusividade, as normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins" (art. 4º, II, da Lei nº 8.934/94).

3  Nos termos do inciso suprimido, não poderiam ser arquivados "os contratos ou estatutos de sociedades mercantis, ainda não aprovados pelo Governo, nos casos em que for necessária essa aprovação, bem como as posteriores alterações, antes de igualmente aprovadas".

4 Com a nova redação, "o registro dos atos constitutivos e de suas alterações e extinções ocorrerá independentemente de autorização governamental prévia, e os órgãos públicos deverão ser informados pela Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) a respeito dos registros sobre os quais manifestarem interesse".

5 Com exceção da hipótese prevista na Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979. 

6 Item 5.3, caput, no Capítulo II, Seção I, da IN 81/2020.